Tiques em crianças: como tratar e quando se preocupar
- Ariely Teotonio Borges
- 7 de mai.
- 3 min de leitura
Ver uma criança apresentar tiques — seja piscando repetidamente, mexendo o ombro ou fazendo sons involuntários — costuma gerar preocupação em pais e cuidadores.E a pergunta que surge quase sempre é: "Tem tratamento?"
Antes de qualquer coisa, é importante entender que tiques são movimentos ou sons involuntários e repetitivos, que muitas vezes pioram com ansiedade, estresse ou cansaço.Na maioria dos casos, não são culpa da criança e também não são feitos de propósito.
O tratamento existe, sim. Mas ele precisa ser indicado com critério, respeitando a idade, a intensidade dos sintomas e o impacto que eles causam na vida da criança.
Quando o tique em crianças precisa ser tratado?
Nem todo tique precisa de intervenção médica imediata.Em muitas crianças, os tiques são leves e passageiros — duram algumas semanas ou meses e desaparecem sem a necessidade de tratamento específico.
O tratamento é recomendado nos seguintes casos:
✔️ Tiques que causam desconforto físico ou dor
✔️ Tiques que afetam o convívio social, autoestima ou aprendizagem
✔️ Tiques muito frequentes, graves ou que envolvem automutilação
✔️ Presença de sintomas associados, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)
Como é feito o tratamento?
O tratamento dos tiques pode envolver diferentes estratégias, dependendo da intensidade dos sintomas e do impacto na vida da criança:
Acompanhamento com neurologista ou psiquiatra- é essencial ter o olhar de um especialista para avaliar o quadro corretamente, entender se é um tique transitório, um transtorno de tiques ou algo relacionado a outras condições, como a Síndrome de Tourette.
O tratamento dos tiques é baseado em três pilares principais, sempre considerando a gravidade dos sintomas e o impacto funcional:
1. Terapia comportamental: a primeira linha de tratamento
A primeira indicação para crianças com tiques que causam impacto é a terapia comportamental, mais especificamente o método chamado Terapia de Reversão de Hábito (Habit Reversal Training – HRT).
Essa técnica é comprovada cientificamente e envolve:
✔️ Treinar a criança a perceber a sensação que antecede o tique (chamada "urge pré-motora").
✔️ Ensinar uma resposta alternativa incompatível com o tique, como tensionar outro grupo muscular.
✔️ Fortalecer a consciência corporal e o autocontrole de forma prática, sem gerar ansiedade.
Em muitos casos, a terapia comportamental reduz de forma significativa a frequência e a intensidade dos tiques, sem necessidade de medicação.
2. Medicamentos: quando são necessários
O uso de medicamentos é reservado para situações em que:
✔️ Os tiques são muito incapacitantes
✔️ Há risco de automutilação
✔️ Ou quando há comorbidades importantes (como TDAH ou TOC associados) que também precisam ser tratados
Os medicamentos mais utilizados são:
Antipsicóticos atípicos (como risperidona e aripiprazol): reduzem a intensidade dos tiques moderados a graves.
Agonistas alfa-adrenérgicos (como clonidina e guanfacina): podem ser úteis especialmente quando há tique associado a sintomas de hiperatividade e impulsividade.
Outras medicações: Em casos específicos, antidepressivos e outros fármacos podem ser usados para manejar sintomas associados.
⚠️ Importante: Medicamentos são sempre individualizados, considerando riscos, benefícios e perfil da criança.
3. Acompanhamento psicológico e suporte emocional
Além do tratamento específico para os tiques, o acompanhamento psicológico pode ajudar a:
✔️ Reduzir a ansiedade que piora os sintomas
✔️ Trabalhar a autoestima e a aceitação
✔️ Prevenir impactos sociais e emocionais a longo prazo
Muitas vezes, a criança não sofre tanto com o tique em si, mas sim com a reação do ambiente — olhares, comentários e exclusão. Cuidar desse aspecto emocional é parte essencial do tratamento.

O que os pais podem fazer no dia a dia?
✔️ Não chamar atenção para o tique: quanto mais a criança se sente cobrada, maior a chance de piorar.
✔️ Criar ambientes tranquilos: reduzir estímulos estressantes e manter rotinas previsíveis ajudam muito.
✔️ Estimular atividades físicas e momentos de lazer: mexer o corpo, brincar e descansar são fundamentais para o equilíbrio emocional.
✔️ Buscar avaliação especializada se os tiques persistirem ou prejudicarem o dia a dia da criança.
Tratar tiques é acolher, não pressionar
O tratamento dos tiques não é sobre "corrigir" a criança.É sobre ajudá-la a viver com mais conforto, autonomia e autoestima, respeitando seu tempo e suas necessidades.Com orientação correta, acolhimento e tratamento adequado, é possível reduzir os tiques e melhorar muito a qualidade de vida.
Sou Dra. Ariely Teotonio Borges, médica neurologista, e trabalho junto com cada um dos meus pacientes, utilizando estratégias que os ajudem a melhorar sua rotina e qualidade de vida.
📚 Referências:
American Academy of Neurology (AAN) – Practice guideline for treatment of tics and Tourette syndrome
Tourette Association of America (www.tourette.org)
UpToDate – Tics and Tourette syndrome in children: Management
European Child and Adolescent Psychiatry – Evidence-based review of management strategies for tics
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